ANOTAÇÕES DIVERSAS I
Sem data
… porque, filho, tudo o que estamos fazendo é levar a mensagem do III Milênio por todo este universo, nas indumentárias, no comportamento desta conduta doutrinária…
Dez anos vivemos de amor e luz. Porém, os impactos que a minha clarividência ocasionava não bastavam. Veio, então, a vida iniciática, com suas cores berrantes e seus poderes. E, assim, nos foi proporcionada a oportunidade de exibirmos a obra ao seu autor, junto a povos.
As vibrações foram tomando lugar em toda a Doutrina, nas cores, no Templo e, por fim, na Estrela Candente, essa grandeza que emite, de suas amacês, a energia do Jaguar, para a cura desobsessiva dos cegos, dos mudos e dos incompreendidos. As vibrações aumentaram sem que, por um minuto sequer, saíssemos do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo Jesus em sua caminhada evangélica iniciática, o Caminheiro, sem dor e sem sofrimento, ensinando a cura desobsessiva, colocando os espíritos a caminho de Deus Pai Todo Poderoso.
Não podemos garantir que tudo aqui aconteça, nem que possa acontecer. Porém, acontecerá alguma mudança estrutural e benéfica nos rumos do pensamento humano, abalando os alicerces da cultura ancestral que consolidou a Velha Estrada.
Filho, não interessa, ao Homem, o seu vizinho. Interessa, sim, a função que ele desempenha. É verdade que não podemos separar a obra do seu autor, mas, quando eu daqui partir, dirão: O Doutrinador e a sua Doutrina! Por conseguinte, filho, esqueça essas pequenas preocupações de avaliação social, em termos dos componentes já ativos nesta jornada doutrinária para o III Milênio.
Antes, eu pensava: por que as amacês não aparecem nos grandes centros? Tive a minha resposta: pelo respeito às velhas teorias, pois ainda é cedo para mudar as estruturas.
A vida não perdoa, filho! Morreremos pelos caminhos, se não nos conscientizarmos, se não soubermos, com precisão, aquilo que nos pertence. Ver e viver, antes que os sinais da angústia o obriguem, oferecendo novos olhos e novas perspectivas, complicando, no entendimento de novas ciências, o que é mais simples: amor e Deus – essa verdade eterna!
Por que foi escolhido o Jaguar, o Espírito Espartano, o Cavaleiro Verde, o Cavaleiro Especial? Porque vem de um processo penoso, por sua mente científica, evoluindo na luta através dos séculos, neste mesmo solo… Hoje, sua percepção lhe afirma , filho, que os tempos chegaram e não há mais como desperdiçá-lo com polêmicas.
Vocês têm a sensibilidade do Homem Iniciado, que descansa apesar da grandeza da luta, e é acariciado pela grandiosidade da energia trazida pelo prana, para retirar seu psiquismo particular e responder às perguntas que surgem do fundo de seu coração.
Esse Homem é fácil de encontrar. É grosseiro e sagaz, sim, porque vem das cordilheiras e da península espartana, porém, não suporta ver alguém sofrer, sai, aflito, a socorrer todos… É amável, requintadamente afetuoso, sensível às dificuldades de povos. Sempre estende sua mão forte e corajosa para a missão maior, e seu amor é espontâneo. Caminha sem superstições e sem falsos preconceitos. Quando é um Jaguar, ama verdadeiramente a Doutrina e a faz seu sacerdócio; acredita na vida e sabe se promover. É boêmio e sua mente é limpa de qualquer crença que não seja autêntica consigo mesmo… Sabe que a última grande iniciação da humanidade ocorreu pela aparente espontaneidade, unificando e aproximando o Homem de sua individualização e que, por todo o universo, o Homem está sendo sacudido no fundo de seu ser, de maneira autêntica e poderosa.
A Doutrina do Amanhecer – ou Doutrina do Jaguar – explica que o Homem que tem conhecimento de si mesmo, aumenta sua intensidade vibratória. É o que acontece nesta tribo do Mestre Jaguar, porque só poderá receber tais iniciações aquele que tiver todas as suas células despertadas, isto é, células mental, física e etérica, livres de superstições. Por esse motivo, este grande ser espera pela humanidade para seu próprio adiantamento, porque, filho, a humanidade e o planeta, com seus demais seres, estão na luta universal com um único desejo: infundir, no Homem, os últimos preparativos para que esta passagem venha a ser a conquista luminosa, porque, filho, se o Homem, em sua doutrina unificante, na passagem das grandes Sivans, Harpásios, Taumantes, Tenaros, Tisanos, Cautanenses, Vancares, Sumayas, Sárdios e outras, conseguir a grande fusão e, assim, souber espontaneamente emitir na grande transmutação, será protegido e terá a bela condição que é a salvação de uma vida para outra. Foram colocadas essas Estrelas para termos um verdadeiro arsenal de forças para nos ajudar de uma vida para outra. Repito: de uma vida para outra!
Sim, filho, hoje o mundo está bem perto da inevitável transformação que afetará todos os seres de corpo humano, e sabemos que não podemos ficar à mercê dessa transformação, apenas olhando para o Céu…
Na verdade, se sofremos os desatinos de nossos destinos cármicos, nada temos a temer, pois sabemos que a dor faz o Homem humilde e o amadurece para Deus. Assim será o Homem brevemente, diante do imenso painel da realidade universal.
As coisas que hoje desprezamos, nos faltarão amanhã. Sem ver o amanhecer, irá chorar a falta deste céu azul, do Sol e da Lua, das campinas, correndo o grande perigo da desintegração, sem saber onde pisar. Mas, o Homem que já adquiriu suas asas estará abastecido pela candeia viva e resplandecente, na jornada missionária de alimentar e reintegrar os que perderam sua rota. Será escuridão? Sim, filho, a falta de visão, do conhecimento das coisas do Céu. O Homem que for levado pelo toque de sua mente sem Deus poderá perder sua rota e entrar no processo de desintegração. Eis o perigo!
Coitados daqueles que levam a vida inconscientemente, sem saber do que está acontecendo acima ou abaixo de suas cabeças… Será triste, muito triste, filho.
Como era triste a vida sem o Doutrinador!
Pense na falta de luz, tendo os pés à beira dos pântanos!…
Deus, o grande Deus, o imenso farol deste universo, que nos deu seu filho Jesus, que tanto sofreu por nós, esse grandioso exemplo de amor, continua a emitir do Céu luzes para quem precisa, ou para quem já passou do tempo de brincar e está consciente de sua jornada evangélica. A este Homem, nada lhe falta, e sabendo que a hora é chegada, através do Verbo, que segue a Luz evangélica de Nosso Senhor Jesus Cristo, nos serve de uma vida para outra, desintegra e reintegra, na força absoluta de Deus Pai Todo Poderoso, através destas divinas Estrelas do 7º Sétimo Verbo, da origem do Santo Verbo encarnado: Deus, Pai e Espírito… Acelos do 2º Verbo, Ceanes do 2º Verbo, Geiras do 3º Verbo, Gestas do 3º Verbo, Gertaes do 2º Verbo, Xênios do 2º Verbo, Vanulos do 3º Verbo, Mântios do 2º Verbo, Teizes do 3º Verbo, são Estrelas que trazem a faixa Evangélica iniciática da vida e da morte.
Quando a vida missionária se descortinou à minha frente, tudo se modificou, inclusive, naturalmente, o meu destino, e eu dizia que, no meu peito, só havia lugar para terríveis conflitos, que me jogavam no abismo de uma obsessão. Porém, a minha mente buscava uma verdade! E essa verdade era Jesus, Jesus o Caminheiro, o Homem Divino, absoluto, que caminhava às margens do rio Jordão, que alimentava os pobres, que não se preocupava com os rabinos doutores que lhe viraram as costas… Então, nos maiores conflitos, eu formava a imagem daquela rica mensagem – Jesus! E sentia a Verdade em todo o meu ser.
Já firme, entreguei-lhe os meus olhos, pedindo que os arrancasse quando eu, se por vaidade, enganasse alguém em seu Santo Nome, através do meu juramento: Jesus! No descortinar desta visão, sinto renascer o Espírito da Verdade na missão que me foi confiada: o DOUTRINADOR! É por ele e a bem dele que venho, nesta bendita hora, Te entregar os meus olhos. Lembra-te, Senhor, de protegê-los, até que eu, se por vaidade, negar o Teu santo nome, mistificar a minha clarividência, usar as minhas forças mediúnicas para o mal, tentar escravizar os sentimentos dos que me cercam ou quando, desesperados, me procurarem. Serei sábia, porque viverás em mim!
Passei, então, filho, a não mais me preocupar com os valores sociais, e penetrei, com respeito, no mundo dos espíritos. E como se já não bastasse a minha grande dor, como se todos fossem alheios aos meus conflitos, chegavam de mil lugares as críticas, o porquê de meus componentes serem tão pobres e doentes, aleijados… E, assim, as coisas foram piorando: aquela mulher segura começava a cair. Verdade! Aquela mulher que existia dentro de mim estava se apagando, ausentando-se de si mesma.
Oh, meu Deus! É difícil animar o corpo quando a alma está ausente.
Filho, quantas vezes recusamos água. No entanto, não podemos viver sem ela!
Aprendi a viver no meio de uma multidão que me assistia silenciosamente, simultaneamente com outra, barulhenta, me exigindo respostas, essa multidão visível, influenciando, observando, ajudando a penetração de outros, inesperados…
Só Deus sabia o que vinha no meu misterioso interior. Eu já não sabia mais sorrir…
– Sim, sem luta não há evolução. – dizia Mãe Yara, deixando eu ver seu lindo rosto, que eu ficava a admirar, e continuou, mais séria – Neiva, já fiz de tudo para chegar até aqui e penetrar em teu coração. Até já me fiz de aleijada, dando o nome de Adelina… Venho, agora, te dizer, seriamente, que o amor é a arma imponderável e invencível do espírito missionário, que não tem escolha. É uma divindade a tua missão.
Eu, compungida, ainda disse algumas palavras, mas ela as repeliu:
– Em nenhuma de tuas vidas fostes piedosa. Eis porque fostes escolhida.
– Oh, Mãe, me ajude! – voltei a falar. – Me ilumine, para que eu seja como Deus quer, e para que eu possa abandonar os tristes hábitos do meu passado.
– Neiva! Haverá, por acaso, quem goste de sofrer? Não será preciso retirar os teus tristes hábitos. O belo é o resplendor do verdadeiro. Não saia do naturalismo. Sejas natural e ames o que sempre amastes, e recuses o que sempre recusastes. A única diferença, Neiva, é saber tolerar os teus amigos e os teus amores, até que te faças acreditada. Este será, sim, o mais difícil período de tua missão. Porém, só Deus conhece Deus…
Fiquei alarmada, e perguntei:
– Não conheces Deus?
– Sim, em sua figura simples e hieroglífica, como tu O conheces!
Fiquei sem entender, e ela continuou:
– Hieroglífica, sim, Neiva! Deus é o poder supremo, em todas as coisas. Deus neste planeta; nas plantas balançando o prana; no aroma da mata frondosa; no mar, no espaço, nas estradas e na porta estreita; na alegria e na dor. Ele está no fundo dos nossos corações, Neiva. Deus é a energia luminosa que desencadeia reações; seres vivos ou vegetais vivem em ambientes inorgânicos e geram pelo sopro de Deus. Seja otimista o mais possível, ligada a Jesus!
– E o Cacique Guerreiro Tupinambás? – perguntei – Posso chamar por ele?
– Sim, Neiva, ele é Seta Branca, aquele que vem com uma seta branca nas mãos. Diga comigo: meu Pai Seta Branca…
E assim Mãe Yara ia me preparando com os espíritos. Épocas eu ia bem, épocas eu estrilava ou não entendia nada.
Uma jornalista muito amiga veio passar uns dias comigo. Ela havia sido freira durante dez anos. Contei-lhe tudo o que estava se passando comigo, e ela concordou e me deu forças. Em uma tarde, fomos a uma das raras festas que acontecia, com um grupo da Novacap, onde, em meio à euforia, serviram uma bandeja com cervejas. Quando ia pegar um copo, ouvi uma voz que disse, bem de mansinho, em meu ouvido:
– Neiva, não beba! Estes copos estão sujos, veja!
Eu, sem saber me comportar, fiquei com a mão esticada e a bandeja passou. Alguém, perto de mim, fez menção de buscar ou chamar o garçom, mas, inesperadamente, surgiu outro, que esbarrou em nós, derrubando os copos e nos molhando. Eu, com uma calça bege, fiquei toda molhada de cerveja, e todos queriam saber o que tinha acontecido. A minha amiga, Mãe Yara, em outro plano, se realizava… Passei o resto da festa sentada, conversando com um novo engenheiro, que só falava da nova capital e da família que deixara. Chegando em casa, me lamentei:
– Sabe, Bené, eu vi quem derrubou aqueles copos…
– Deixe de impressões, Neiva! Assim, acabará ficando louca… – me respondeu Bené, sem me dar muita atenção.
Após alguns dias, eu e minha amiga jornalista fomos falar com o Dr. Saião, engenheiro chefe da Novacap, que me aconselhou a procurar um psiquiatra. Levantei minhas esperanças, e fui em busca do médico no Acampamento do IAPI. Diante dele, disse que estava estafada, via e ouvia espíritos e, esquecendo completamente de Mãe Yara, disse que era católica e que tinha duas tias freiras e um primo padre. Estava respondendo às perguntas que ele me fazia quando um “mortinho” surgiu, vindo de trás de um biombo, dizendo-me se chamar Júlio, que era pai do médico e que havia sessenta e dois dias que havia morrido. Comecei a gesticular, procurando atrair a atenção do médico para que olhasse na direção do espírito, e assim pudesse testemunhar a causa de parte dos meus conflitos. O médico, não tendo condições de enxergar o espírito, preocupado com minha agitação, já que eu fazia gestos sem sentido, procurou me acalmar, demonstrando cuidados em prevenir-se em relação a mim, e dizia:
– Fique quietinha! Está tudo bem!
Não me contive e, quase gritando, comecei a falar:
– Aqui está um defunto, que diz ser seu pai… – e transmiti algumas das informações que o mortinho me passava.
O médico se levantou, gritando, e tive a maior prova:
– É, realmente, o meu pai, o meu adorado paizinho! Fale mais, me diga como ele está!…
Isso foi uma decepção para mim. Nem médico, nem nada! Levantei e saí precipitadamente do consultório, quase levando a porta
Muitas coisas me aconteceram, e sempre me lembrava do que me dissera a “Senhora do Espaço”:
– Se você insistir em pensar no mal, na dor, na doença, você as atrairá para si mesma. A planta extrai do solo vários elementos curadores. No entanto, precisamos conhecê-las, porque muitas são mais venenosas do que as serpentes. Ajude sempre, e não exija condições. Ajude com desprendimento e não exija agradecimentos nem gratidão. Quem ajuda ao próximo está, na realidade, ajudando a si mesmo. Não minta, para que o seu sono seja tranquilo. Procure descobrir sua estrada na vida, sem profetas ou profetizas. Nós é que temos de descobrir o nosso caminho, o caminho que traçamos, e segui-lo com nossos próprios pés. Desperte para a vida, para a verdadeira vida. Não desanime à frente dos obstáculos. Os obstáculos são atraídos pela força dos nossos tristes pensamentos. Não se impressione com os sonhos e não fique a querer interpretá-los. O sonho é a arma dos supersticiosos. Procure o lado bom da vida, seja otimista. Procure subir e espere sempre o melhor. Com o coração esperançoso, teremos tudo das coisas boas e nobres que desejamos. O pensamento e a palavra têm o poder curador. O corpo é o veículo através do qual se manifestam, no planeta Terra, o espírito e a alma, dos quais o corpo é apenas reflexo material. Não transfira os problemas: procure solucioná-los, e só a Deus entregue o seu amor. Filha, guarda as suas preces. Um coração em conflitos muito pouco poderá se elevar a Deus. Vive uma densa noite, porém eu não a abandonarei!
– Preferia que me abandonasse! – pensei.
Lendo meus pensamentos, ela sorriu e continuou:
– A sua luz, filha, brilhará de dentro para fora. Mantenha os seus amigos, seja forte nos embates da vida. A purificação está além de tudo, dos falsos preconceitos sociais e das mesquinharias da vida. É muito longo o caminho do amor, principalmente para você, que será um enigma neste planeta, até a sétima dimensão. Vá, Neiva! Vá caminhando e distribuindo o bem que Deus lhe concedeu, em gestos de carinho, usando sempre esta honestidade sã e pura. Você jamais será abandonada. Seja alegre e confiante, como sempre foi. Não deixe que a calúnia perturbe a sua mente, não se nivele ao caluniador, para que não seja igual a ele. Não responda e não se altere. Vá, e continue a sua estrada, mesmo com seus conflitos.
– Meus pais… – pensei – Como ficará tudo isso? Eles, que não gostam de macumbeiros, irão me expulsar novamente! Meus tios, meus primos e primas, são padres e freiras. Por que não me protegem? Será que terei alguém no Céu que me ajudará junto a Deus, apesar de eu ser uma viúva e viver em sacrilégio com a Igreja, conforme disse um santo padre?…
Mãe Yara voltou, interrompendo meus pensamentos:
– Neiva, deixe de hipocrisias! Isso não é do seu espírito nobre. Quantos anos têm de vida na Terra?
– Sou de 1925, – respondi – 30 de outubro…
– Sim, filha, você tem 33 anos!
– Vou deixar um mundo à minha frente, – interrompi – um mundo que eu amo, pelo qual vibro… Serei uma beata curandeira?
– Sim, filha! Se não tiver uma super personalidade, será uma mãe de santo, que é muito pior que uma beata, como você se chama. Pior sim, no seu caso, porque a mãe de santo veio preparada para cumprir o seu papel de mãe de santo, e você veio para continuar a jornada de Amon-Rá, de Akinaton do delta do Nilo… de Pytia, em Delfos, com o seu deus Apolo, hoje unificado em Cristo Jesus…
Eu estava muito magoada pelos meus conflitos, o que dificultava meu entendimento dessas misteriosas revelações. Já não tinha nem mais coragem para viajar sozinha. Enfim, tantos fenômenos tão reais, e ainda não me bastavam…
Com a cabeça cheia de pensamentos, eu caminhava lentamente para a minha casa.
Sim! Eu era aquela pessoa e não ia mais retroceder. Tudo… todo o meu mundo morria ali. Já estava quase em casa, e procurei me harmonizar.
Chegando em casa, abracei meus filhinhos Gilberto, Carmem Lúcia, Raul Oscar e Vera Lúcia, e minha afilhada Gertrudes, e lhes contei o que me ia na alma. Choramos juntos, e lhes assegurei:
– De hoje em diante, voltarei a ser calma!
Nisso, chega uma vizinha com uma agulha enfiada no braço. Era a esposa do Mendonça, um dos engenheiros da Novacap, onde eu trabalhava carregando os seus auxiliares da Topografia.
– Neiva, – disse a mulher – creio que estou com uma agulha enfiada aqui no meu braço esquerdo. Eu me deitei em cima de um vestido em prova e, engraçado, senti a picada mas nada fiz, pois logo caí em profundo sono, e me esqueci do assunto. Só fui me lembrar à noite, quando a dor já se deslocara do braço e passou para perto da clavícula. Oh, Tia, estou com medo!…
Mendonça era espírita, e ajudava os meus meninos nas minhas tristes incorporações dos irmãozinhos sofredores. Ele acreditava em mim, e pediu que eu recebesse o meu Guia para ajudá-los. Fiquei surpresa quando vi a agulha no peito da mulher, felizmente próxima à superfície. Correram para o hospital onde, após pequena cirurgia, retirara, a agulha.
– Neiva, – disse Mendonça, depois – se cuide! Você tem um raio-X nos seus olhos!
Mil testes, mil coisas aconteceram.
Certo dia cheguei em casa e meus meninos me disseram que os seus amigos tinham um recado de sua mãe, que queria me conhecer. Muito mal humorada, permiti que viesse. Foi então que se deu o meu primeiro contato com Mãe Neném, o início da grande ajuda que comecei a
Mãe Neném foi formidável, porém, os seus princípios Kardecistas muito me atrapalhavam, e comecei a me apavorar novamente, pois ela discordava dos Pretos Velhos e da Umbanda, tornando-me insegura.
Certa feita, resolveram chamar um grande médium para retirar, ou melhor, examinar a minha mediunidade, Cisenando era o seu nome. Ele não gostou de certas entidades, condenou minhas maneiras bruscas, e me disse:
– Neiva, é para o seu bem! Cruz credo! Vamos fazer uma reparação para você não acabar louca, num hospício…
Passaram-se mais alguns dias, com as lições cada vez mais intensas. Certa vez me disseram que o Cacique Guerreiro Tupinambás ia subir. Fui procurar Mãe Yara. Cheguei a um canto reservado para Mãe Neném, e tive a maior surpresa: Mãe Yara estava falando pela boca do médium Cisenando:
– Os espíritos de pouco desenvolvimento espiritual que entram neste mundo, ficam próximos da Terra, na densa atmosfera da escuridão, e são chamados “espíritos sofredores”. Sua maior função é a de atrapalhar o trabalho do missionário da última hora… Neném! Ensina Neiva a assimilar as suas visões. Procure, faça com que Neiva retome sua segurança, para que possam prosseguir na grande obra que terão que levantar. O corpo é o reflexo da mente, e a mente é o reflexo da alma, que é o nosso verdadeiro Eu!
Fez-se breve silêncio, e o médium continuou:
– Neném! Esses espíritos que Neiva recebe são da Umbanda. Tenha todo o cuidado. Se possível, vá embora para Goiânia. Saia depressa, sem ser vista!
Não sabendo reconhecer uma interferência do médium na mensagem, exclamei:
– Como? Como pode, meu Deus? Este espírito falava bem e, de repente, passou a falar mal. Como pode? Diz se chamar “o amigo de sempre”, mas eu o conheço, na minha visão, como Dona Yara ou Mãe Yara. Eu a vi, não tenho dúvidas!…
Depois desse dia me revoltei com tudo e com todos. Virei um bicho, e comecei a receber sofredores. Minha vida se tornou um caos. Não mais tinha coragem de procurar ninguém…
Certo dia, Mãe Yara chegou, e começou a falar no meu ouvido. Então, fui muito franca, dizendo-lhe:
– Vocês me prometeram o Céu, e, no entanto…
– Neiva! – ela me interrompeu, com firmeza – Não se esqueça de que, enquanto você está esperando pelo Céu, a Terra espera por você. Sim, filha, antes de subir ao Céu, terá que baixar na Terra. Não queira que as pessoas pensem como você. Raciocine imparcialmente e nada aceite sem entender, porque ninguém possui a verdade total.
– Diga alguma coisa sobre aquele médium! – interrompi, referindo-me ao acontecido com Cisenando – Diga alguma coisa sobre o que vi e ouvi!…
Mãe Yara, sabendo que eu ainda não tinha condições de entender aquele fato, me disse carinhosamente:
– Neiva, você não poderá caminhar sozinha. Dê trabalho aos seus braços, leve consolo aos aflitos e enxugue suas lágrimas. Ajude a todos aqueles que caminham ao seu lado. Não atrapalhe, para não ficar sozinha. Fique neutra em relação a esse assunto, e procure voltar à normalidade…
Certo dia, cheguei em casa e encontrei minha filha Carmem Lúcia com um dente inflamado, o rosto bem inchado. Fiquei aflita para tomar alguma providência, porém “alguém” me puxou para trás. Atirei-me contra minha filha, descompondo-a, até que perdi os sentidos. Quando voltei a mim e soube do ocorrido, entrei novamente em conflito. Só que, desta vez, tinha sido pior: havia atingido minha própria filha, que era uma das razões de toda a minha luta. Meus filhos eram, para mim, como o sangue que corria em minhas veias. Fiquei tão envergonhada que passei a maltratá-la ainda mais!
Foi quando um casal de Pretos Velhos se projetou em minha visão. Eram Pai João e Mãe Tildes, que me disse:
– Vamos dar um passe em Marcinha. Sim, Carmem Lúcia é Marcinha, filha de Márcia, um grandioso espírito que está nas alturas. Ela está muito aborrecida com o que vem acontecendo com sua filha, e está disposta a matá-la para levá-la consigo.
Pulei sobre Carmem Lúcia, num gesto de obsidiada, e incorporei. Quando recobrei a consciência, havia um médico – Dr. Calado – com uma injeção na mão, ao meu lado. Apesar do seu nome, ele falava muito. Voltei a incorporar, não sei durante quanto tempo, e quando desincorporei Carmem Lúcia estava deitada no meu colo e, calma, me disse:
– Mamãe! Mamãezinha! A senhora está bem?
– Eu que lhe pergunto, filhinha: está melhor?
– Sim, mamãezinha! Um espírito disse que veio para me levar. Depois, veio um outro, me deu um passe e se foi, passando toda a dor.
– Veio para matá-la? – voltei a perguntar.
Pai João interrompeu-me severamente, não me deixando concluir:
– Basta, Neiva! Você já abusou demais. Puxe pela sua individualidade. Não é a primeira vez que vem, nesta Terra, como clarividente!
Não tendo visto Mãe Yara, preocupada perguntei:
– Onde está Mãe Yara, a Senhora do Espaço?
– Não virá mais aqui! – continuou Pai João enérgico – Não virá pelo seu desrespeito para com os espíritos. Porém, eu vim para ensiná-la. De hoje em diante, terá eu e Mãe Tildes junto a você. Exijo, filha, o maior respeito com os espíritos, sejam de Luz, sejam sofredores.
– Sofredores? – explodi – Esses demônios que a Igreja denuncia e condena?
Dei uma grande gargalhada de deboche e, logo, recebi um impacto no rosto, tão violento que comecei a chorar.
– Isto é para despertá-la para sua felicidade. – falou o Preto Velho – Se continuar a cair no padrão dos espíritos sofredores, poderá ficar louca.
Meu rosto pegava fogo. Com raiva, disse:
– Tenho ódio de espíritas! Como me obriga a ser espírita?
– Filha, ninguém lhe obriga. Os espíritas são portadores de diversos tipos de mediunidade, mas você carrega todas, exceto a do olfato. Além do mais, você tem a missão de desenvolver o Doutrinador de força cabalística.
Pai João prosseguiu, e fiquei sabendo todo o meu roteiro na missão com o Doutrinador.
Sim, meu filho Jaguar! A cada dia eu mais me convencia de que a fé é algo transcendental. É amor e ternura, inato para uma pobre criatura que se criou sob a energia dos velhos coronéis do sertão nordestino, que era castigada se mentisse ou se tivesse medo de andar no escuro… Não podia ter medo! Só acreditava naquilo de que eu pudesse dar testemunho. Minha criação era um dos motivos de meus conflitos. Salve Deus, meu filho Jaguar! A missão caminha junto com o missionário. Veja onde fui parar…
Voltemos, filho, a 3 de julho de 1950, quando eu estava completando um ano de viúva. Fazia, exatamente, um ano. A partir de 3 de julho de 1949, quando Raul Zelaya Alonso morreu, me deixando com quatro filhos – Gilberto, com 5 anos; Carmem Lúcia, com 4; Raul Oscar, com 2 anos; e Vera Lúcia, com 11 meses – e com minha afilhada Gertrudes, fiz o meu mundo, ou melhor, fizemos o nosso mundo, e tudo de bom surgia entre mãe e filhos…
1958! Cheguei do trabalho muito cansada e me deitei de costas, dando um tempo para tomar meu banho, quando comecei a ver, no teto, uma verde campina, onde existia um castelo com pessoas que caminhavam, riam… Mil coisas eu vi… Meu Deus! Todos, todos eram meus filhos, até minha afilhada!
Muito preocupada, eu trabalhava durante o dia na esperança de voltar ao meu lugar e rever o lindo castelo e seus ocupantes. Foi um duro golpe para mim quando soube que aquele castelo existia em uma das sete dimensões que seguem a linha do Canal Vermelho. Por conseguinte, eu teria que percorrer uma grande caminhada cármica para lá chegar, e concluí-la com segurança.
A vida não parava para mim. Sempre havia novidades, havia doutrina…
Passei a analisar o desenvolvimento dos Homens. Partindo dessa compreensão, comecei a observar melhor, o que mudou minha conduta natural. Tudo que observava naquele castelo era objeto de meus cuidados. Tinha vontade de nele penetrar até às suas intimidades, mas tinha impressão de estar penetrando nas vidas dos meus filhos e, então, sentia um imenso desrespeito. Realmente, não conseguia entender meu procedimento…
Certo dia peguei uma grande viagem, que me supriria meios para atender a algumas necessidades que eu já estava passando. Era perto de Luziânia, cidade de Goiás. Enquanto os ajudantes carregavam o caminhão, fiquei sentada na calçada, entretida com aquela gente que queria me conhecer. Já estava acostumada com isso, pois sempre havia muitos queriam falar com a mulher caminhoneira. De repente, vi um jovem que estava entrando, distraidamente, naquela rodinha de pessoas. Notei que já o tinha visto naquele castelo dos meus filhos. Vi, também, em fração de segundos, que um soldado da polícia iria pegá-lo. Procurei atrair a atenção do soldado para mim, e acenei para o rapazinho, para que fugisse. O soldado me fazia mil perguntas, e eu as respondia com cuidado.
Ouvi Mãe Yara, a Senhora do Espaço, me dizendo:
– Neiva! Viva a sua vida interior com mais intensidade. Deus está dentro de você. Comece a trabalhar com amor, em benefício dos outros.
– Fiquei com medo do soldado! – me expressei pelo pensamento – O que ele vai pensar de mim por tê-lo chamado no meio de tantas pessoas?
– Filha! – voltou Mãe Yara – Não tenha prevenção contra os seus semelhantes. Desperta para a vida. Medite em sua responsabilidade perante a Humanidade e perante Deus. De você irão depender criaturas que servem na família, no trabalho e na sociedade. A ação do tempo é infalível, e nos guia suavemente pelo caminho certo, aliviando nossas dores, assim como a brisa leve abranda o calor do verão. Cada pessoa emite sua própria vibração. O que se pede, sobretudo, filha, é o esforço mental de compreender.
– Meus Deus! – pensei – Ela já está para ir embora. Por que não falei no castelo?
Chegou, então, a resposta:
– Filha! O missionário tem criação especial. A sua aura dá condições de vida à sua família. De épocas em épocas, descem sete tribos na Terra, espíritos como você, que está a caminho de Deus. Essas tribos muito fizeram por aqui, isto é, são tribos que passaram por aqui, construíram, deixaram muitos inventos, porém não souberam amar…
– Como voltam, se morreram? – perguntei.
– As forças são recebidas por meio do cérebro e fazem suas impressões na mente, por ondas do pensamento, que podem ser medidas e gravadas, como as ondas de som. É a capacidade de emitirmos as ondas mentais aos planos superiores que nos dá o poder de fazer coisas que parecem milagres àqueles que não compreendem as forças dos poderes superiores. Não dê ouvidos às intrigas nem às calúnias. Só a árvore que dá bons frutos é apedrejada por aqueles que não alcançam seus frutos. A árvore que não dá frutos, ninguém dá importância a ela.
Sorrindo, Mãe Yara se foi, e fiquei meio frustrada. Mas, pensei:
– Meus filhos estão comigo. Sempre os protegi e os protegerei. Sempre foi assim, e não serei eu quem irá mudar o curso das coisas.
– Sim, meu filho Jaguar, os conflitos aumentavam, e eu me debatia só, só!…
Procurei alguns espíritas, porém eles somente expunham exemplos que pareciam dizer que Alan Kardec estava vivo e segurava toda a evolução do mundo dos espíritos. Acabaram por se desligar de mim, e somente Chico Xavier, de longe, me dava crédito.
Eu era considerada uma pobre louca, só e insegura pelos meus pensamentos, e, o que era pior, buscando dar explicações, esclarecendo o que via.
Deus aceitara meu juramento pelos meus olhos, quando eu os entregara a Jesus… Sim, filhos, isso se passou em 1958, e as lembranças me trazem até aqui.
Mãe Yara continuava me dizendo:
– Seja verdadeira em tudo. Deixe que a Doutrina, em sua ação infalível, a guie suavemente pelo caminho certo, aliviando suas dores, filha! Deus se manifesta no Homem através do próprio Homem, e vive sua figura simples e hieroglífica. Sim, filha, são palavras dos antigos…
As palavras cravavam-se em minha cabeça, mas longe do meu coração!…
Certa vez, por volta de meia-noite, cheguei em casa, com muita fome. Peguei uma panelinha e fui esquentar um ovo. Meia sem jeito, queimei meu dedo na caçarola e baixei meu padrão vibratório. Oh, meu Deus! Mãe Yara estava por perto:
– É, ouvi, filha. Que vergonha! E pensar o que esperamos de você, uma líder espiritual!… Mas eu vim para fazermos uma prece. O “seu” Manoel das Emas, seu amigo, vai morrer. Na sua segunda viagem, mande o Delei com a segunda turma. Como você está sem condições, vou-me retirando…
Nem senti como comi o ovo. Sei apenas que estava insegura, a dizer, inconscientemente, no meu íntimo:
– Meu Deus! Por que não me controlei? Será que a Senhora do Espaço vai me deixar outra vez?…
Contei ao Getúlio o que ouvira a respeito do “seu” Manoel, e ele me pediu que me acalmasse e que tivesse cuidado com alguma interferência, já que haviam alguns espíritos zombeteiros. O pior era que eu sabia que ele estava errado, que era verdade, mas não me defendi, pensando somente nas minhas ofensas e que Mãe Yara poderia não mais voltar.
Durante o almoço, Delei me pediu a chave do caminhão e foi fazer o trabalho, para me descansar. Delei e Getúlio eram médiuns de confiança e muito próximos de mim. Com o movimento, esqueci o aviso de Mãe Yara. Um pouco mais tarde, vieram me avisar que o “seu” Manoel caíra morto no chão. Senti um grande remorso. Quem sabe se eu tivesse rezado com a Senhora do Espaço poderia tê-lo ajudado?
Passou-se o tempo e, oito dias depois, à noite, com os olhos abertos, vi o “seu” Manoel de pé, numa estrada luminosa e muito amarela, com seu chapéu de palha e com a mesma roupinha. Sorriu, demonstrando que ainda continuava meu amigo, como se me dissesse que estava feliz!…
Lembro-me da minha primeira visão. Chegara de uma viagem muito cansativa, e logo me deitei. Alguns colegas, que estavam em minha casa, continuaram a conversar. Muito cansada, não conseguia dormir. De repente, um velhinho, bem conhecido meu, apareceu com um lampeãozinho na mão e, folgadamente, se sentou à beira de minha cama. Dizia-me coisas que logo esqueci, mas lembro de que agradecia, em nome de Deus, o que eu tinha feito por ele, mas me dizia que eu ainda teria que trabalhar muito. Sorri e pensei:
– Está caduco! Trabalhar mais do que eu trabalho?
Logo lembrei que ele já havia morrido, após uma vida em que pedia esmolas, embora tivesse muitas casas alugadas. Ele dizia que era por missão. Era um verdadeiro Espírito de Luz. Mas fiquei apavorada, e saí dali correndo, toda irradiada, e lembro bem, até hoje, de como aquele encontro me atingiu, embora tudo tivesse acontecido como já me tinha sido previsto por Mãe Yara.
Certo dia eu estava conversando com Pedro Izídio, Mestre Adjunto do Ministro Muyatã. Por sinal, afirmo que estes jovens Adjuntos me trouxeram muitas realizações. Conversávamos sobre os componentes do seu Adjunto, quando trouxeram uma jovem desmaiada, no colo de seus pais. Realmente, era um quadro triste. Enquanto Pedro foi atendê-los, lembrei-me do meu primeiro desdobramento e como estava me servindo, vinte e quatro anos depois (1958-1982). Hoje, eu podia dispor de tudo, na segurança daqueles mestres. No entanto, vejo como se fosse hoje, a minha primeira viagem:
Naquela tarde de fim de mês, estava preocupada com meu caderno de contas. Afinal, eu tinha dois caminhões fichados na Novacap, só que, quando fiz o acerto de contas, fiquei assustada, pois havia faltado a muitas viagens, e não me conscientizara disso, ficando tudo à revelia. Sofri. Senti medo dessas minhas primeiras falhas na vida profissional, e pressenti que não conseguiria sustentar aquela vida dupla. Teria que optar: ou a minha vida espiritual ou a material. Teria que descobrir uma maneira de decidir. Logo me chegou a voz de Mãe Yara:
– Você, filha, descobrirá tudo através dos seus próprios recursos!
Deitei-me, totalmente consciente, porém as vibrações aumentavam e diminuíam. De repente, fui arrancada do corpo. Senti que eram os encontros do extrassensorial, mas me assustei, sentindo como se fosse morrer. Sentia desprender-me do corpo físico, enquanto minha cabeça rodava, rodava… Só algo me segurava – Mãe Yara – apesar de minhas faltas com ela!
Rodei não sei por quanto tempo e, como por encanto, me deparei com uma grande luz, opaca, que não iluminava a seu redor. Dentro dela estava tudo claro, mas, em sua volta, tudo negro, negro… Ouvi alguém dizer:
– Faculdade mediúnica de transporte em desenvolvimento!
– Sim! – confirmou outra voz – Desdobramento!
– Se desta vez foi diferente, da próxima me arrancarão os bofes – pensei.
Sentia ânsia, ânsia demais, até que chegaram dois médicos do espaço e comecei a me acalmar. Ao lado de Mãe Yara, tinha uma linda visão, mas, dentro de minha cabeça, só ouvia:
– Transporte em desdobramento!
Mais calma, me pareceu ver árvores caminhando. Meio assustada, falei com Mãe Yara, que colocou a mão em minha testa, dizendo:
– Não há árvores!
Tornei a olhar, mas não havia árvores, realmente. Comecei a fazer muitas perguntas, e ela ia me respondendo. De repente, parei de falar e só formulava a pergunta em minha mente. Para minha surpresa, ela percebia a expressão do meu pensamento, e me respondia, também pela mente. Aprendi, assim, a me comunicar com todos. Ouvia e era ouvida. Entendi que era a minha primeira experiência fora da matéria e que não era tão fácil como ouvira dizer… Na realidade, até hoje não consigo explicar o que se passou comigo naquele transporte de desdobramento.
Eram cinco horas da manhã quando Pai João de Enoque veio me dizer que não fosse trabalhar. Mandei Delei com o caminhão, e fiquei em casa. Pai João voltou e me disse:
– Fia, almoce pouco. Não coma quase nada! Terás um lindo trabalho a fazer!
Eram sete horas da noite. Chegara o momento e Pai João nos orientou: eu deveria deitar e Mãe Neném reunir um pequeno grupo de médiuns. Senti as mesmas sensações do transporte de desdobramento. Realmente, foi tudo igual. Só que, desta vez, entrei em um aparelho etérico, como eu também. Ali, naquela situação imposta, me vi em um lugar todo especial, deitada em pé… Deitada em pé, sim! Sentia como se uma cama estivesse presa em minhas costas. Ouvi uma voz, no comando, que dizia:
– São vinte horas! Não podemos evitar o grande incêndio neste hotel!
No plano físico, eu repetia, e Mãe Neném anotava. Eu me perguntava como podia ser aquilo. A voz voltou, confirmando:
– Já são vinte horas e trinta minutos. Vamos aguardar!
Não tenho como descrever as sensações que eu sentia. Só pensava comigo mesma o que estaria acontecendo, se aquilo era real, verdadeiro.
De repente, uma grande língua de fogo me tirou de meus pensamentos, que eram falados e ouvidos no meu corpo em fonia, sem perder um detalhe. Eram chamas imensas. Eu daria tudo para não estar envolvida em tão terrível realidade. Distante do meu querer, ali estava eu, naquele imenso aparelho… Então, vi algo diferente: um homem de barba semicerrada, deitado a cerca de dois metros distante de mim. O que me assombrou foi notar seu corpo pesado, diferente do meu. Sim, um homem de carne e osso. Foi quando um dos comandantes
– Vão sentir a falta desse homem. É o porteiro do hotel.
Súbito, a nave parou em cima de um conjunto de casas diferentes. Eu já estava sentada, e podia ver e ouvir tudo que se passava. Sentia que eu e o porteiro do hotel incendiado estávamos ali em razão de uma missão divina: para evitar que se alastrasse uma terrível epidemia…
Como voltei, não sei dizer. Sentada na cama, com todos me olhando com olhos arregalados, estava revoltada, desafiando aqueles que se prestavam a me ouvir, e dizia que tudo era tolice dos espíritos. Nisso, chegou Pai João, dizendo que eu devia respeitar o ambiente, porque poderia perder a voz. Orientou alguém para que aumentasse o volume do rádio, e pudemos ouvir o noticiário. O locutor narrava o incêndio, dizendo que ocorrera um fenômeno, pois todos estavam a salvo, exceto o porteiro, que ainda não fora encontrado. Não sabiam seu paradeiro, embora tivesse sido visto antes de o incêndio ter começado. Olhei para os médiuns que, alheios a mim, liam o que Mãe Neném havia escrito e comentavam:
– Como será? Vão dar falta do porteiro?
Envolta em mil pensamentos, questionei sobre o destino do porteiro.
– Capela! – veio a resposta dentro de minha cabeça.
Continuei pensando:
– Meu Deus! E meus filhinhos? Sem mãe nem pai… Já são dez horas da noite, e eu fora de casa desde as sete horas!…
No outro dia acordei com terrível mal-estar. Novamente, custei a me recuperar. Não aceitava que ninguém falasse mais do assunto, mas não adiantou, porque todos comentavam o incêndio, o fenômeno…
Hoje, meu filho Jaguar, vejo a diferença entre a sua mediunidade e a minha. Estamos aqui, neste reservado atrás do Radar, jantando a nossa marmita: Alberto, Mestre Yucatã; Caldeira, Mestre Yumatã, Luiz Fogaça, Mestre Uruamê; Capuchinho, Mestre Camuty; Barros, Mestre Alufã; Fróes, Mestre Adejã, e o nosso Primeiro Mestre Jaguar, Nestor, Trino Arakém, além das ninfas, esposas e escravas, e meu querido marido, Mestre Mário, Trino Tumuchy, que veio prestigiar nosso jantar. Vejo a alegria deles, e penso: quanta caridade? Penso no sem número de pessoas que vão, esperançosas, para suas casas, levando os conselhos dos Pretos Velhos, dos Caboclos… A atenção e a Doutrina destes jovens mestres que citei e dos muitos que não citei, espíritos milenares vindos de velhos mundos, trazendo, cada um, uma bagagem espiritual muito grande… Sim, temos um incansável mundo, onde vamos juntando pequeninos e grandes fenômenos e fazendo nossa cultura. Sou a Mãe que veio buscar os filhos, e só Deus sabe o preço a ser pago por isso! Observando aquele grupo, fiz um retorno a 1959, na vida espiritual de cada um. A mansão dos meninos… A mansão cultural dos Instrutores… Ninfas… Trinos e, enfim, o médium iniciado em Dharman Oxinto. Lembro que só via a mansão quando estava mais cansada. Em resumo, pagava para ter aquela proteção para os meus filhos. Hoje, pago um imenso preço pela cultura dos novos filhos, e fico feliz, entendo o porquê desta facilidade em aceitar os conhecimentos. Vejo que o Jaguar entra na vida etérica, vai à sua mansão cultural, e quando minha mensagem soa no plano físico, já encontra a sua mente clara e receptiva. Vejo, também, que o Homem correto é esclarecido por Deus através da Presença Divina, o Prana! Vejo, também, que as demais religiões estão confundindo o Homem, tirando o seu respeito para com Deus… Sim, meu filho Jaguar, eu vivia, então, a fazer comparações e pequenas conjecturas naquele labirinto que ficou tão para trás!
Eu andava preocupada porque, há muito, não tinha notícias dos meus colegas caminhoneiros. Eram sete horas quando escutamos o funcionamento do grande Mercedes estacionando em minha porta. Saímos, e encontramos o Nelson, um velho colega com quem tinha grande afinidade. Eu estava um pouco nervosa, mas fiquei muito satisfeita com aquela visita. Entramos, e ele começou a falar sem parar. Falava em me tirar de Brasília, que ia me arrumar um caminhão novo para melhorar meu trabalho, e coisas assim. De repente, surgiu por trás dele um espírito brincalhão, que começou a fazer trejeitos e macaquices, e eu comecei a rir. Nelson assumiu um ar preocupado e me olhou compungido, sem entender a situação. O espírito fazia acrobacias e dava chutes nas costas de Nelson, que nada sentia no físico.
Entre sorrisos, eu conversava com Nelson e com Alcides. Convidei-os para irmos até à cozinha, e o espírito desapareceu. Quando voltamos à sala, o espírito reapareceu, começando tudo de novo, e eu tornei a rir tanto quando antes. Naturalmente, Nelson nem quis ficar para o jantar. Apressava-se para sair, já não falava mais nos planos para me levar dali. O espírito deu uma trégua, desaparecendo. Nelson começou a se despedir.
– Não, Nelson, mamãe não deve ir embora daqui. – disse Gilberto, meu filho – Aqui, ela trabalha perto de nós.
– Sim, eu sei! – Nelson apressou-se a confirmar – Fica, Neiva! Afinal, você já está se acostumando aqui.
O espírito retornou, e comecei a rir de seus trejeitos. Nelson terminou, apressadamente, as despedidas, e voltou-se para mim, dizendo:
– Neiva, procure um especialista. Você trabalhou durante toda a sua vida, e nós mesmos só pensamos em você montada num caminhão. Procure, também, um descanso, pois doze anos sem parar de trabalhar é muita coisa.
– Como posso parar? E as crianças?
Nelson partiu. Mais uma frustração… Dali em diante comecei a sentir na carne a minha prisão.
Hoje, meu filho Jaguar, eu compreendo como foi difícil a minha vida. Naquela época, havia um colega que morava comigo. Chamava-se Getúlio da Gama Wolney, e sofria, noite e dia, as minhas irregularidades. Durante algum tempo, foi ele a minha salvação. A cada dia, mais me aproximava dele. Contudo, nosso relacionamento decorria de grande dívida transcendental. Não tínhamos uma vida conjugal normal. Éramos, apenas, dois jovens tocados por uma missão. Não nos amávamos, porém nos respeitávamos mutuamente. Ele tinha suas esperanças, e eu as minhas, de novos encontros e, junto aos meus filhos, de um casamento com quem já me esperava. Apesar de tudo, minhas esperanças não morriam. As dele também não!
Em 1958, eu já tinha todo este acervo dentro de mim, embora insegura por conflitos normais. Pedia aos espíritos que não deixassem eu perder as esperanças. E ia vivendo.
Trabalhava na Novacap e tinha dois caminhões. Vou contar mais um dos fenômenos que me aconteceram.
Passara a noite em claro, com aparições, etc. Pela manhã, fui trabalhar no Clube Cota Mil, nas margens do lago Paranoá. Os engenheiros desceram do veículo e foram para o campo. Fiquei sozinha. Tinha levado uma garrafa de café e um isqueiro, no modelo de uma pistola, muito bonito, presente de um alguém muito querido meu. Porém, eu me esquecera de abastecê-lo, e, quando fui acender o cigarro, não acendeu. Gritei, num desabafo:
– Se não estivesse com esses espíritos na cabeça, meu isqueiro estaria funcionando! Não teria me esquecido de colocar fluído…
Num gesto automático, acionei o isqueiro, e ele acendeu. Como já tinha atirado o cigarro para longe de mim, fui apanhá-lo, e o isqueiro apagou. Peguei o cigarro e o isqueiro tornou a acender, permitindo que eu acendesse o cigarro. Nisso, ouvi Pai João me dizendo:
– Mal criada! Devia deixá-la sem o seu cigarro… Fia, procure acompanhar os espíritos. Não deixe que eles percam tempo com você, com as suas mesquinharias. Um dia, quando for uma rainha, você terá vergonha de tudo isso.
– Quanta coisa por causa de um simples cigarro – pensei (ou falei?)
Foi a conta! O isqueiro foi arrancado da minha mão e bateu, com força, no para-brisa, quebrando o vidro, voltando a cair na minha mão. Olhei o isqueiro, e vi que estava sem o parafusinho e a tampinha. Fiquei apavorada! Estaria eu tão nervosa a ponto de fazer tudo aquilo? Procurei a tampinha por todo o carro, e não a encontrei.
Quando cheguei em casa, Beto me disse:
– Mamãe, olhe! É a tampinha do seu isqueiro…
Tive um susto muito grande e lhe contei o que tinha acontecido, inclusive sobre o vidro quebrado. Avisei ao Sr. Jaime que iria a Goiânia para comprar outro para-brisa, antes que aquele começasse a esfarelar. Ele disse, então, que não encontrou nenhum vidro quebrado. Fui conferir. Realmente, o para-brisa não estava quebrado. Foi quando voltou a voz:
– Lição de luz e amor. Eu não iria dar prejuízo a você. Salve Deus!
Virei-me para o Betinho e perguntei:
– Ouviu o que o Preto Velho disse?
– Não! – respondeu – Cadê ele?
Ficou por isso mesmo.
Passaram-se muitos dias sem novidades.
Certo dia, em meados de 1959, chegou uma menina com uma linda rosa vermelha, que me entregou, dizendo:
– Meu pai mandou para a senhora.
– Para mim? O seu pai?
Estas conquistas eram comuns, porém nunca o pai utilizando a própria filha. A menina tagarelava:
– São as primeiras rosas do canteiro do meu pai… Não! Quem mandou a rosa foi aquele moço do caminhão…
E apontou para um Scânia que já dava partida no motor. Olhei e vi o Nelson, que acenou, dizendo adeus. Não teve coragem de falar comigo, já que me considerava louca. Senti uma imensa angústia, e olhei para a rosa. Tive a maior surpresa: minha mão estava cheia de sangue! Dei um grito e a joguei longe. Tornei a olhar minha mão e nada vi de anormal. Apanhei a rosa e verifiquei que, realmente, não tinha sangue. Curiosamente, esqueci-me da triste partida de Nelson e me concentrei no fenômeno que acabara de ver. Logo veio Mãe Yara para me esclarecer:
– Filha, você é, também, médium de efeitos físicos. Sua dor foi tamanha, que se refletiu na rosa. Deus se compadeceu de você. Aquela tinta vermelha, da cor da rosa, cor de sangue ou outra cor, se chama charme cósmico. A partir daquele momento você foi preparada, iniciada, para a iniciação de objetos.
– Se vem de tão longe, – perguntei – como chega tão rapidamente?
– Existem depósitos no pronto socorro universal. O Homem tem seu livre arbítrio, é verdade, porém temos que estar prontos para segurá-lo para que ele não caia em certos abismos!…
– Charme, herança transcendental… Não sei! – pensei – Queria somente saber do sangue em minha mão.
Mãe Yara sorriu com tal ternura que eu me dei por satisfeita.
Nunca esqueci o fenômeno da rosa. Sempre que via uma pessoa sofrendo por uma situação sentimental, me lembrava daquela tardinha e da rosa. O fato é que, partindo daquele fenômeno, pude ver como tudo é aproveitado. Coisas ricas em Deus Pai Todo Poderoso. Este fenômeno só nos é possível fazer quando não há laços cármicos. Sim, porque a ninguém é permitido penetrar na seara de um caminho cármico. Neste caso, só Deus pode interceder.
Uma senhora de bons costumes veio me pedir para olhar o noivo de sua filha que, por sinal, estava ali presente. Queria saber se ela faria um bom casamento com Rafael, que ficara em seu apartamento, no Rio de Janeiro. Como sempre faço, mentalizei o quadro e fiquei espantada! Pedi para que ela mentalizasse o tão falado noivo. Agora, eu tinha certeza do que vira: ele estava carregando tudo o que havia no apartamento. Virei-me para a senhora e disse:
– Dona, ele é um assaltante!
E olhando para a moça, confirmei:
– Não o queira, filha. Vai ter um terrível susto!
As duas se levantaram imediatamente, enquanto a jovem dizia:
– Louca! Ela é louca, mamãe. Vamos embora!
Desapontadas, as duas se foram. Eu me sentia desorientada, sem poder confirmar o que vira. Tentei continuar trabalhando, mas senti que não estava bem, e fui para casa. Pedi ao meu bendito fenômeno que me dissesse algo…
Passaram-se três dias, e as duas senhoras voltaram a me procurar. Fui atendê-las. Uma sorria e outra chorava, dizendo:
– Viemos para Brasília, e estamos na casa de meu filho. Estou com medo, pois tudo foi como a senhora nos disse. Ele levou nossas coisas, e ficamos com medo de que ele voltasse e nos encontrasse lá.
– Salve Deus! – exclamei, pensando comigo – Mais um fenômeno da rosa.
Vendo que elas iriam ser mortas, puxara, com todo o amor, as forças do Mundo Encantado dos Himalaias, e pedira proteção à minha flor. O noivo, que planejara esperá-las para fazer um saque mais completo e matá-las, foi acometido por uma ansiedade que o levou à pressa de saquear logo tudo, sem aguardar que chegassem.
Voltemos a 1958. Eu me sentia como se estivesse numa pequena embarcação, navegando sem destino num mar fremente. Tinha perdido noção do valor de tudo. Realmente, não sabia onde iria parar. Tinha medo de tudo e, por vezes, tive medo até de chamar por Deus. Sei lá! Se ele fosse um espírito, poderia me aparecer, e esse era meu grande temor. Eu era mesmo como uma embarcação perdida em alto mar!
Com este espírito de tristeza e angústia, fui chamada para transportar madeiras que uma mulher tinha comprado de outra. Levei Gilberto e Raul comigo na cabine. Quando estacionei, para pegar a carga, junto à casa, ouvi uma mulher e um homem se descompondo, já partindo para a agressão física. Disse, baixinho, para mim mesma:
– Com tanta força espiritual que tenho, vou apartar essa briga.
Ouvi Pai João falando em meu ouvido:
– Não se meta, Neiva! A briga não é sua, embora a mulher esteja com ciúme de você. Não conte comigo, pois estou indo embora…
– Vá, Pai João, pode ir! – disse eu com arrogância – Eu já estou me acostumando a ficar só!
– Porém, nunca ligou… – falou Pai João, sem terminar e partindo, dando uma rizadinha.
Marchei para junto do casal, gritando:
– Parem com isso, gente!
A mulher desferiu um golpe tão rápido com o braço que quase me pegou, enquanto o homem apontava para mim, gritando:
– Saia daqui, sua intrometida! Não vê que a briga é por sua causa, infeliz? Vá cuidar da sua vida…
Fiquei com raiva e ia revidar, quando chegou uma turma que estava colocando a madeira no caminhão e me tirou dali, enquanto o homem me xingava com palavrões e gritava coisas sem nexo.
Como o caminhão já estava carregado, me colocaram na cabine, e dei logo partida, com muita vontade de chorar de raiva. Com as crianças, eu não podia fraquejar, pois éramos os três chefes da casa. Após andar um bocado, parei e me debrucei sobre o volante, amargando a minha dor. Pai João chegou, dizendo:
– Aprendeu a não mexer com a vida dos outros, teimosa? Eu bem que avisei!
– Estou desajustada! Vou matá-los!…
– Qual, fia, se não matou até agora, não matará nunca mais, pois você está marchando para um sacerdócio…
Olhei para ele, e disse:
– Feio! O senhor é muito feio!
– Porém – respondeu-me com ternura – eu já fiz concurso de feiura, e você nunca fez!
Rimos, e passou minha raiva.
A vida se passava e eu me sentia incapaz de fazer grandes coisas.
Certo dia, chegou um casal de jovens namorados, querendo saber da Clarividente como seria sua vida de casados. Achei ele muito bonito e ela muito feia e petulante. Pensei, pensei e me omiti de dizer a verdade, tomando o partido dele, pois o achei muito bonito para sofrer ao lado daquela moça.
Ó, meu Deus! Tomei partido e fui ridicularizada nos planos espirituais. Eu era ainda inexperiente e, de quando em vez, cometia alguma tolice. Tinha dificuldade para entender a mim mesma, para descobrir qual a minha missão. Sentia muito medo da Igreja, do pecado original, etc.
Estava mais esclarecida, embora ainda insegura, quando vieram me avisar que havia chegado um bispo, que queria falar comigo. Fiquei em pânico, pensando no quê um sacerdote de Deus iria fazer comigo. Busquei uma desculpa para não ir recebê-lo, mas Mãe Yara chegou e me levou até à Kombi onde o sacerdote me esperava, sob uma chuva torrencial.
Fiquei sozinha com ele, morrendo de medo. Lembrando-me dos meus olhos, que eu tinha entregue a Jesus, sabia que não poderia mentir, dizer-lhe que não era espírita, nem Clarividente… Não tinha como escapar!
– Soube do teu fenômeno. – disse ele – Em que os espíritos se apegam, na reencarnação?
Mãe Yara, como sempre, veio em meu socorro e, de maneira precisa, me orientou. Comecei a falar, referindo-me a seus pais:
– Bispo, o senhor tem dois velhinhos que são dois santinhos. Deus lhes deu a graça de terem um filho como senhor, embora sofram por terem, também, um outro filho, que é epiléptico e vive, embriagado, pelas ruas…
– Como?… – gritou ele, me interrompendo – Como sabes disso, mulher?
– Sou a Clarividente a quem o senhor procurou! – respondi com simplicidade, e continuei – Dívidas do passado… Seus pais, o senhor e seu irmão viveram e se endividaram mutuamente…
E fui lhe dizendo mais algumas coisas de seu irmão. Após ouvir, ele soltou um gemido, como se sentisse uma grande dor:
– Realmente… Meu pobre irmão!…
E foi se despedindo de mim, constrangido, como se eu o incomodasse. Apenas me perguntou se era possível ir até onde ele morava. Disse-lhe que não saía dali, e desci do carro. Ele partiu com profundo ar de desagrado.
Mãe Yara me disse que não seria apenas aquele caso. Muitos outros religiosos viriam me abordar futuramente.
Fora mais uma experiência. Na verdade, gosto muito da Igreja, e fiquei, por alguns dias, triste e impressionada com o susto do bispo.